É momento das feministas disputarem corações e mentes nas massas

A política voltou a ser debatida nos espaços para além das organizações políticas. Tem gente conversando sobre o país e seus problemas nos bares, nos almoços de família, nos locais de trabalho e até nas festinhas juninas das escolas infantis. O Brasil está discutindo o país e não se deve ter medo disso. A população foi para a rua, e o que esperar de uma população que já vinha demonstrando paulatinamente nestas últimas décadas o recrudescimento de um senso-comum conservador?

O susto de ver a população reverberar ações da direita conservadora como o ataque aos militantes partidários, cartazes pedindo a redução da maioridade penal e um discurso moralista sobre a corrupção é reflexo da desorganização do debate político na sociedade neste período de redemocratização do Brasil. Mas é bom lembrar que este recrudescimento conservador nunca foi motivo para os movimentos feminista, LGBT e negro baixarem suas cabeças e voltarem para casa. Quantas vezes fomos às ruas pela legalização do aborto e fomos chamadas de assassinas, mas ao mesmo tempo conseguíamos dialogar com outra parte da sociedade. Disputa de consciência é assim, e a omissão acaba dando espaço para quem está lá disputando o senso-comum dizendo que não tá disputando.

Outro tema: é um erro igualar hino nacional e bandeira nacional com direita. Outra coisa é que a direita pode se valer disso, mas o sentimento da massa é honesto, de resgate da nação contra quem ela considera que está usurpando e roubando o país, isto é e sempre foi a simbologia da massa em relação a bandeira e ao hino. Nos anos 80, com grande peso de massa da esquerda era muito comum os atos das diretas já e mesmo assembleias operárias de massa no ABC serem encerradas com o Hino Nacional. Nós temos que disputar essa consciência da massa para a esquerda, mas entendendo o valor do sentimento nacionalista anti-regime ou anti-corrupção no caso atual, no caso da minha geração era uma nacionalismo anti-ditadura do tipo dizer “o hino e a bandeira são nossos e não da ditadura”. Hoje tem isso de fundo “a bandeira, o hino, a nação são nossos e não dos corruptos”. Esquerda que não entender isso vai virar pó nesse movimento. (SILVA, Fernando. Uma rebelião popular progressiva e o início de uma crise institucional)

Esse processo de ascenso, ou seja, das pessoas saírem de seus trabalhos, das suas casas e locais de estudo para ocupar as ruas por temas diversos é positivo e devemos tomar este parâmetro como base. O povo na rua é bom. Agora, esperar que o povo na rua tenha o mesmo nível de consciência do que as pessoas que tem formulado política, ou organizado manifestações e atos sobre diversos motivos nos últimos anos.

Não se pode fetichizar, mas também não dá para entrar em uma de que: bora sumir de lá por que é só reaça e não dá para disputar. Ora, é o povo fora de sua rotina que abre espaço para podermos disputar sua consciência muito melhor do que quando estamos imbuídos em nosso cotidiano enfadonho.

As pautas que mais tem ecoado nestes espaços são pautas que se relacionam diretamente aos direitos das mulheres. As remoções feitas pelos governos federal e estaduais por conta da Copa e Olimpíadas, a mobilidade urbana, a permanência de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara são pautas nossas também.

Nossa responsabilidade política nesse exato momento é enorme. Até por que nunca vimos manifestações destas proporções em nossa vida política, só as vimos passar na TV ou em documentários e mesmo assim tinham características diferentes. É continuemos nas ruas até a tarifa baixar e durante esse processo que estejamos em unidade, por que disputar ideologicamente com o status quo conservador é tarefa hercúlea e todxs lutadorxs devem tomá-la para si. (FRANCA, Luka. Pílula sobre as mobilizações em São Paulo)

É preciso que as feministas estejam nos atos, em bloco ou não para combater a violência sexista que ali possa haver, para nesse processo de mobilização de massas possamos disputar homens e mulheres (cis ou trans) de que espaços de protesto social não é espaço para assédio contra as mulheres.

Há muitos depoimentos de mulheres agredidas ou violentadas nas manifestações ao redor do país. Testemunhas oculares, com direito a vídeos amadores postados no YouTube, não deixam mentir: as mulheres precisam temer não apenas a repressão policial, mas também a misoginia e a intolerância dos próprios manifestantes. São dezenas os relatos de abuso sexual, tanto por policiais armados quanto por manifestantes homens. Várias mulheres, por conta de qualquer suspeita de pertencer a algum partido político de esquerda, sofreram agressões físicas. Além da violência direta, os manifestantes portavam uma quantidade exorbitante de cartazes machistas, acompanhados de piadas e gritos hostilizando as mulheres. (ARRAES, Jarid. A misoginia marcha ao lado)

Para além de disputarmos que as mobilizações sociais não devem ser espaços da nossa opressão, é preciso que nós feministas estejamos lá para dizer: A Copa, a falta de mobilidade urbana e o conservadorismo de ter Marco Feliciano na CDH nos atingem frontalmente! A maioria das pessoas removidas pelas obras da Copa são mulheres, quem mais é atingida pela falta de mobilidade urbana nas cidades (seja por conta de violência sexual nos transportes públicos, seja por conta da questão econômica) são mulheres, a votação do Estatuto do Nascituro, o vilipendio dos direitos humanos no Brasil atingem primeiramente as mulheres negras.

Além destes temas norteadores, o espaço nos abre possibilidade de questionamento importante sobre a militarização da polícia no Brasil. Ora, qual o tratamento dado pela polícia militar às mulheres em situação de violência? Ou nos casos de estupro? O processo de militarização da nossa segurança pública também ajuda a manter o pilar do patriarcado no estado Capitalista, pois tem o poder de manter o status quo da culpabilização das vítimas de opressão e nossa tarefa como feministas é combater tudo que mantenha os pilares patriarcais.

Sim, nesse momento de grandes mobilizações sociais no país nós feministas temos tarefa importante, não é a hora de ficarmos com medo de gente na rua, esperamos por isso em diversos atos que já chamamos.

É hora de tirar do bolso as nossas camisetas lilás e dizer que nós vamos disputar ideologicamente as pessoas, por que apenas o anti-capitalismo sem a desconstrução do machismo, homofobia e racismo não nos contempla. É preciso nos organizarmos para chamar manifestações e disputar as já convocadas. É o momento que temos para ampliar a disputa ideológica que fazemos cotidianamente, e conseguir debater e pautar questões que em momentos de maré baixa são tabus gigantescos.

Não é hora de nos omitirmos, não existe espaço vago na política e não podemos deixar que a direita misógina ganhe uma batalha de disputa ideológica, é hora das feministas disputarem corações e mentes da forma aguerrida que sempre fizemos.

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva pela Democracia!

Violência contra a mulher: dos abusos do metrô até a violência institucional

Hoje é o dia internacional de combate a violência contra mulher e o Blogueiras Feministas convocou uma blogagem coletiva sobre o tema, parei um pouco algumas coisas que estava fazendo para poder escrever este texto de hoje pois dialoga diretamente com o que farei durante o dia todo. No Brasil morrem 10 mulheres por dia vítimas de feminicídio e a cada 2 minutos 15 mulheres são espancadas em nosso país.

Feminicídio é algo que vai além da misoginia, criando um clima de terror que gera a perseguição e morte da mulher a partir de agressões físicas e psicológicas dos mais variados tipos, como abuso físico e verbal, estupro, tortura, escravidão sexual, espancamentos, assédio sexual, mutilação genital e cirurgias ginecológicas desnecessárias, proibição do aborto e da contracepção, cirurgias cosméticas, negação da alimentação, maternidade, heterossexualidade e esterilização forçadas.

Em todos esses casos, o que se tem em comum é o fato de as vítimas serem mulheres, e estarem sendo coagidas a cumprir o papel que aquela sociedade destina a elas. As mulheres que não se adaptam a esse sistema (“desobedientes”, “vadias”, prostitutas, de “gênio forte”, dentre outros termos afins) perdem o direito à autonomia e à própria vida. As agressões a elas são toleradas, inclusive pelo Estado, suas mortes não são lamentadas e seus agressores não são punidos; muitas vezes, serão até glorificados. Neste ponto, vale lembrar que houve negociações para que, no primeiro aniversário da morte de Eloá, seu ex-namorado concedesse entrevistas para a televisão.  (SEMIRAMIS, Cynthia. Feminicídio: a morte de mulheres em razão de gênero)

Este quadro é presente em todo nosso país, milhares de mulheres são vítimas de violência doméstica, sexual, tráfico de pessoas e tantas outras tipificações de violência que muitas vezes não temos nem compreensão, o tema é algo tão delicado que também é tabu entre a própria esquerda e este ano acabou ganhando destaque por conta das diversas Marchas das Vadias que aconteceram no Brasil, a campanha promovida pelo Sindicato dos Metroviários de São Paulo contra os abusos sexuais nos transportes públicos e os casos de estupros que escandalizaram em Barão Geraldo (Campinas). O drama da violência contra mulher ocorre em todo Brasil, falta investimento por parte do governo federal na aplicação da Lei Maria da Penha e em São Paulo não seria muito diferente, talvez um pouco mais recrudescido por conta do governo tucano conservador que não liga muito para a vida das mulheres.

Enquanto isto, além das intragáveis piadas do Zorra Total, a Companhia Metropolitana e o governo do Estado de São Paulo também tratam o problema com uma escandalosa falta de seriedade.

Ao mesmo tempo em que gastam milhões para fazer propaganda sobre as supostas modernidade e eficiência do sistema, estes senhores têm dado declarações à imprensa que soam como verdadeiros insultos para as mulheres que têm passado por estas experiências traumatizantes. (SILVA, Wilson. Enquanto Globo faz piada, aumentam os ataques a mulheres no metrô)

Não é de hoje que mulheres são “encoxadas”, sente mãos passarem em suas bundas e em casos calcinhas rasgadas, dedos em suas vaginas e outras formas de violência sexual, é tudo isso também é abuso sexual e assim deve ser enquadrado. A falta de transportes públicos de qualidade e em quantidade para poder melhor atender a população também ajudam nestes crimes de oportunidade e ainda contam conivência do governo estadual e das autoridades que dirigem a Companhia do Metropolitano de São Paulo, ou seja, como sempre este não é um problema apenas das mulheres, este também é um problema seu.

Assim como na maioria dos casos de organismos responsáveis pelo atendimento a mulheres em situação de violência não tem profissionais capacitados para nos atender isso acontece também no metrô e CPTM, pois não tem em sua capacitação uma formação do que é a violência machista e o como atender e acolher mulheres vítimas deste tipo de violência, isso não é algo recorrente apenas nos casos de abusos e estupros recorrentes nos transportes públicos, mas a falta de investimento e capacitação de profissionais para atender e acolher mulheres em situação de qualquer violência machista é uma máxima em nosso país.

O debate que se abre hoje pelo sindicato dos metroviários de São Paulo sobre a violência machista nos metrôs não deve ser debatido e combatido apenas no simbólico, mas também na realidade concreta e esta realidade nos mostra uma postura misógina por parte do governo tucano, assim como o total descaso com o transporte público, pois as duas coisas se entrelaçam. É responsabilidade do governo encontrar formas para nos proteger e investir nesta proteção e para isso a SPM deve se posicionar e cobrar o governo de São Paulo uma solução para este grave problema que não atinge apenas as mulheres, mas a todos. (FRANCA, Luka. A misoginia do governo paulistano e sua representação no Zorra Total)

O debate da violência contra a mulher seja nos transportes públicos, em casa, nos espaços de militância política, hospitais, universidades são debates concretos, é preciso desmistificar o simbólico que muitas vezes está entranhado em nossa sociedade, porém apenas com apontamentos de soluções efetivas para combater a violência nestas diversas frentes é que nós mulheres realmente teremos avançado na disputa pela nossa própria vida; algo que tanto para o senso-comum, quanto para a grande mídia parece não ter grande relevância, mas pra nós que a vivemos cotidianamente.

O combate a violência contra a mulher deveria ser algo entranhado em todos os espaços da política brasileira, fosse por conta dos assédios morais que atingem na maioria das vezes mulheres em seus locais de trabalho, abusos nos transportes públicos, estupros nas cidades universitárias, violência institucional quando não temos um atendimento integral à nossa saúde assegurado ou nos damos de cara com um déficit de vagas na educação infantil astronômico, isso tudo é violência contra mulher e isso tudo também dialoga com as pautas dos movimentos sociais em geral. O que falta é realmente conseguirmos derrubar a pecha utilitarista e de secundarização da pauta que tomou conta da esquerda brasileira.

O respeito com a criança é também o respeito com a mulher

Faz tempo que não falo sobre maternidade e feminismo por aqui, falei algumas vezes no blogueiras feministas que podem ser lidos aqui, aqui e aqui. Porém hoje li um post fantástico da Bananda no Mamíferas falando sobre parto respeitoso e da blogagem coletiva promovida pela Parto do Princípio pela Semana do Respeito à Criança, tema que eu acho dialogar frontalmente com a proposta da blogagem coletiva das blogueiras feministas sobre infância, consumo e sexismo.

A postagem da Bananda calou tão fundo aqui dentro que resolvi escrever sobre isso aqui no BiDê, pois hoje por hoje acho importante pensar uma relação entre feminismo e maternidade e como tantas intervenções no parto e pós-parto também são sintomas de uma sociedade machista e movida pelo capital sim.

Nascimento respeitoso tem haver com privatização da saúde, tem haver com expropriação do corpo da mulher e tantas coisas que normalmente achamos melhor não encarar, a forma com que se é mãe e como nossos filhos vem ao mundo é uma escolha política também, pois desde o parto, até como se criará a criança perpassam por escolhas ideológicas e posicionamentos políticos. Não estimulo a minha filha por exemplo brincar com brinquedos sexistas, e suas bonecas nunca são filhas, mas sim suas amigas e parceiras de aventuras, como ela é para mim… A melhor companheira de aventuras que já tive depois da minha própria mãe.

Para mim não há duvida de que feminismo e maternidade tem relações próximas, não apenas pela questão da criação e formação das pessoas, mas também pelo fato da sociedade encarar o maternar como função exclusiva da mulher, sem compreender a revolta hormonal que acontece no corpo feminino durante a gravidez e no puerpério, ou então quando se escandaliza ao ver uma mulher amamentanto no ônibus sem cobrir os seios como se fosse um sério atentado ao pudor.

O papel de mãe acaba por se enquadrar na lógica de só existir apenas dois tipos de mulheres no mundo: as santas e as putas. Justamente a visão sacralizada de maternidade que a Iara se refere no parágrafo citado acima, mães não trepam, não mostram os seios, não tem desejos… Vivem apenas para as crias e se fogem disso logo escutam: Isso não é um comportamento aceitável, você é mãe. (FRANCA, Luka. Feminismo, maternidade e a briga nossa de cada dia)

Respeitar a criança é também saber lidar com as adversidades de um mundo consumista e de como apresentar a ela de como brincar é diferente de consumir, conseguir colocar no mundo dela, que atualmente é tão presente o querer e o ter, a diversão do apenas brincar, sem pretensões ou brinquedos super-ultra-mega-blaster desenvolvidos, buscar lá na imaginação a interação de uma minhoca feita de cadarço.

Perdemos, inclusive os pais, essa mágica de como lidar com a infância e respeitar o tempo dos nossos filhos, não procuramos recebê-los neste mundo de forma respeitosa e sem traumas, não esperamos o próprio tempo deles para decisões importantes e não dá para escolher maternar assim de forma comprometida quando se encara dupla ou tripla jornada de trabalho.

Óbvio que do ponto de vista político esta forma de maternidade é bem pesada quando você estuda, trabalha e cuida sozinha da criança, e aí é que precisamos retomar algumas pautas feministas importantíssimas como a socialização do trabalho doméstico, a luta pelos direitos de aumento de licença maternidade e amamentação, aumento da licença paternidade e outras tantas, pois maternar não é uma tarefa apenas da mulher, mas também do homem. Eles possuem papéis diferentes e é dever do Estado assegurar tanto a informação chegar para que as pessoas saibam o que implica substituir uma lata de leite pelo leite materno, vacinar ou não, prolongar amamamentação ou não, usar qual método para fazer o bebê dormir ou não. Mas para que todas possam realmente ter este poder de escolha a primeira coisa que deve ser feita é a luta pelo aumento dos direitos das mulheres e não um ataque frontal, equivocado a uma forma de maternidade… Um ataque que em últimas instâncias benefícia as empresas alimentícias e de fabricação de mamadeiras e afins. (FRANCA, Luka. Não é ser melhor ou pior mãe, mas ter informação bastante para escolher)

Respeitar a criança, também é respeitar a mulher, garantir a ambos seus direitos para que possam desfrutar da relação mãe-filho ou pai-filha da forma mais proveitosa possível, não são temas dicotômicos com a realidade vivida no Brasil, onde a licença maternidade não contempla ter tempo disponível suficiente para o maternar, ou não há educação infantil pública suficiente para as crianças, isso também é os desrespeitar e nos desrespeitar.

Talvez compreender o quanto o respeito a criança e o respeito as mulheres caminham junto e não há como ter acesso a um maternar que melhore as relações entre pais e filhos sem que haja mudança políticas profundas na nossa sociedade para que possamos parir melhor, maternar melhor, viver melhor e querer assegurar o respeito às crianças e às mães para uma parcela mais abastada, e não pra quem realmente necessita e não tem acesso a isso.

Ao violar os direitos das mulheres, o Estado viola, consequentemente, os direitos da infância, e vice versa. Isto porque, além de ambos setores serem igualmente inferiorizados e descaracterizados pelo capital, estão relacionados culturalmente e afetivamente entre si. Assim, o movimento inverso também, de conquista dos direitos das crianças acarreta na conquista e fortalecimento dos direitos das mulheres, sendo necessário resgatarmos a luta de defesa da infância nos movimentos feministas, pois para nenhum outro setor essa relação de avanço na luta dos direitos se deu historicamente e se dá de forma tão intensa e característica. (GIBIN, Camila. Convidada: Crianças e mulheres, a nossa luta é a mesma)

É talvez não seja apenas querer e ter força de vontade, mas também ser necessária política públicas que realmente assegurem os direitos das crianças e das mulheres.

Convidada: Pra cadeia ou para o hospital?

Segue texto da Vanessa Koetz sobre a questão da legalização do aborto hoje no Brasil, a Vanessa é militante do Coletivo Feminista Yabá , Barricadas Abrem Caminhos e do setorial de mulheres do PSOL/SP . Este texto é publicado hoje, pois é o Dia Latino-Americano pela Descriminalização e Legalização do Aborto e nada mais propício do que voltar a reflexão sobre a criminalização de mulheres no nosso país. Este post também faz parte da blogagem coletiva chamada pelas blogueiras feministas.

20 milhões de abortos são praticados anualmente no mundo. Desses, 97% são feitos em países pobres que criminalizam a prática. 6 milhões de abortos ocorrem todos os anos na América Latina. 1,4 milhão é praticado no Brasil. 1 em cada 7 mulheres brasileiras já fez um aborto.

No Brasil, o aborto é crime e só é permitido em duas exceções: quando a gravidez for resultado de estupro ou quando a gestação apresenta risco de morte à gestante. Apesar disso, sabemos que o aborto é prática recorrente entre as brasileiras. Para as mulheres ricas, é quase um direito, amparado por clínicas clandestinas de alta qualidade. Para as mulheres pobres é um risco de vida e pode levar à morte.

A prática de abortos inseguros e clandestinos no Brasil correspondem a 240.000 mil internações anuais; 25 % dos casos de esterilidade; 9 % dos óbitos maternos e a terceira causa de morte materna no país.

Criminalizar não resolve!

A intervenção do Sistema Penal na vida das mulheres que optam por não serem mães não diminui a prática do aborto. Apenas joga, em sua maioria, mulheres pobres e negras na prisão, causando maior sofrimento, tristeza, depressão e culpa naquelas mulheres que descartaram a maternidade. Outras vezes, quando o Estado impõe enquanto pena a obrigação de serviços comunitários em creches, por ex., o castigo da mulher que abortou é a tortura psicológica.

Ser mãe deve ser um direito e não uma obrigação!

A luta pela descriminalização e legalização do aborto é a luta pela autonomia da mulher, independente de qualquer religião ou crença. Levantar essa bandeira é lutar contra a ideologia machista e patriarcal que impõe à mulher enquanto destino irremediável a maternidade. Ser mulher não é a mesma coisa que ser mãe. Ser mulher é podermos fazer o que quisermos com o nosso corpo, que é só nosso e de mais ninguém. Não é da igreja, nem do homem, nem da família e nem do Estado. É nosso!

Queremos ser livres: Direito ao nosso corpo é legalizar o aborto!

O Estado não pode intervir nas nossas escolhas. Quem escolhe ser mãe ou não somos nós. Entretanto, o Estado não pode se eximir de garantir políticas públicas que amparem as nossas escolhas. Assim, é direito nosso e dever do Estado que ele promova habitação, saúde, transporte, educação e assistência social. Tanto quando escolhemos continuar a gravidez, como quando decidimos interrompê-la.

A mulher que deseja ter um filho deve ter seus direitos sexuais e reprodutivos assegurados, dispondo de pré-natal, parto humanizado, pós-natal, licença-maternidade, creches, educação infantil e assistência social. Aquelas que optam pela interrupção da gravidez também devem ter seus direitos sexuais e reprodutivos assegurados, devem dispor de aborto humanizado, assistência hospitalar e psicossocial.

Todas as mulheres devem ter seus direitos sexuais e reprodutivos assegurados, atendimento integral à saúde, educação sexual, direito ao planejamento familiar, dispor do uso de contraceptivos, de contraceptivos de emergência e anticoncepcionais, distribuídos gratuitamente nos postos de saúde, e aborto legal, seguro e gratuito garantido pelo SUS.

Defendemos a vida de milhões de mulheres!

Defender a legalização do aborto, não é apologia ao aborto! Mas, sim, defender a vida de milhões de mulheres que morrem por abortos clandestinos, em quase sua totalidade pobres e negras, é lutar pela autonomia do nosso corpo e lutar por um Estado Laico. Quem decide com quem, como, onde e quando eu tenho um/a filho/a somos nós!

Porém, há muito tempo que não somos nós quem decidimos sobre as nossas próprias vidas. E, ao que tudo indica, a luta pela nossa autonomia e pela vida de milhões de brasileiras está em segundo plano.

Os governos Lula e Dilma anunciam as dificuldades das mulheres brasileiras nessa luta. A supressão da questão da legalização do aborto no Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH3, a assinatura do acordo de reciprocidade mútua entre Brasil e Vaticano, o corte de verbas nos principais ministérios de bem-estar social, o irrisório aumento do salário mínimo (salário que é renda de 53% das mulheres brasileiras) frente ao absurdo aumento da remuneração de parlamentares e da Presidência e a criação de programas como o Rede Cegonha que antecipa o cadastro de gravidez e atendimento parcial à saúde da mulher, restando o direito à saúde apenas àquelas que optam pela maternidade, barram e retrocedem na luta pelos nossos direitos.

Além disso, essa postura do governo brasileiro fortalece e encoraja a intervenção de grupos que atentam contra a laicidade do Estado, como a Frente Parlamentar Pró-Vida que impõe fundamentos religiosos ao parlamento, permitindo que iniciativas de afronta aos direitos das mulheres apareçam no Congresso Nacional, como o bolsa-estupro, a CPI do Aborto, o Disque-Aborto, o cadastro de gravidez, a transformação do aborto em crime hediondo, a proibição do uso de camisinhas, a proibição do uso de pílula, o estatuto do nascituro, dentre muitas outras bizarrices.

No Estado de São Paulo, a situação também é grave: faltam creches, faltam programas de assistência integral à saúde da mulher, impera a privatização da saúde, as Organizações Sociais, que em sua maioria são ligadas a entidades religiosas, dominam os atendimentos à saúde das paulistas, o programa Mãe Paulistana cobre parcialmente à saúde da mulher, também garantindo o direito à saúde somente às que optam pela maternidade e o cadastro de grávidas e não há nenhum amparo às mulheres que interrompem precocemente a gravidez. Além disso, em alguns municípios do Estado foi aprovada a proibição de implementação do DIU no SUS e a distribuição de pílula do dia seguinte.

A defesa da legalização do aborto não faz com que aumente o número de abortos, não é para transformar o aborto em método contraceptivo, não incentiva as mulheres a abortarem.

Não aceitamos que mulheres morram, sejam presas, perseguidas e torturadas por terem feito um aborto! Reivindicamos educação sexual para prevenir a gravidez e DST’s, contraceptivo e anticoncepcional nos postos de saúde para não engravidar e aborto legal, seguro e gratuito, garantido pelo SUS, para não morrer!

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