Pandemia, colonização e racismo

Uma nova cepa do coronavírus foi detectada por cientistas na África do Sul. Ômicron chegou e novamente nessa pandemia vemos o legado colonial e racista sendo esfregados em nossas caras. A dinâmica estabelecida pelas relações coloniais e racistas se desvelam a cada capítulo da pandemia e são sempre exploradas de maneira supérflua, sem a observação sobre o que legou alguns territórios e populações estarem mais a mercê do novo coronavírus que outras.

No Brasil, essa discrepância ficou escancarada quando Jurema Werneck e Pedro Hallal foram em sessão da CPI da Covid19 no Senado Federal e pontuaram a relação estabelecida entre a pandemia e as populações mais subalternizadas do país. Inclusive, demonstrando de forma prática como o processo do racismo lubrifica as engrenagens políticas e técnicas do governo Bolsonaro. Foi nessa sessão que Hallal divulgou que o governo havia censurado dados levantados pela pesquisa que ele conduzia sobre o impacto da Covid19 em populações negras e indígenas urbanas.

Ao longo desses dois anos de pandemia no Brasil o movimento negro e o movimento indígena denunciaram de todas as formas o fato de não haver a garantia para as nossas populações realmente se protegerem durante a pandemia. Estes setores não apenas foram vanguarda importante de ocupação das ruas no enfrentamento contra Bolsonaro, o negacionismo e seus tentáculos como também provocaram juridicamente o Supremo Tribunal Federal sobre temas importantíssimos para a garantia de direitos, dignidade e a própria vida nesse período. Demonstraram na prática o vão enorme que há entre garantir direitos e efetivar essa garantia de direitos em nosso país. A votação do “Marco Temporal” até agora não resolvida no STF e o desrespeito a decisão dessa corte sobre a ADPF das Favelas quando da chacina do Jacarezinho e do Salgueiro esfregam as entranhas do racismo e do colonialismo em nosso país.

Porém, o problema não é apenas em nosso território, não é? A colonização, o racismo e a escravidão são questões engendradas na estrutura de Estado de diversos outros países do mundo, especialmente quando falamos da África. O surgimento da Ômicron e o tratamento dispensado aos países deste continente quando do anúncio desta descoberta vai no esteio de como o mundo lida com a África ao longo dos anos, das décadas e séculos.

A corrida desenfreada para se fechar os aeroportos e adotar medidas mais severas contra tais países de um continente que amarga a pior taxa de vacinação no mundo hoje em nada impressiona quando vemos os histórico de como foram tratadas urgências sanitárias importantes naquele território como nos casos de enfrentamento a AIDS e ao Ebola. Não levar estas duas questões com seriedade ao se pensar a situação é apenas colocar mais caldo no legado do colonialismo e do racismo no mundo.

Ora, qual foi o esforço dos países ditos de primeiro mundo e que possuem dívidas históricas e profundas para com esse continente para que os países africanos tivessem acesso a vacinas de forma a garantir esquema vacinal completo para o conjunto de suas populações? Colocam a culpa no movimento antivax existente na África do Sul, mas quando isso foi pretexto para se fechar fronteiras com países europeus onde esse movimento nasceu e tem ainda mais força?

Nem entrarei no questionamento sobre quando questionaram e enfrentaram a figura das missões religiosas naqueles territórios que tem o mesmo modus operandi que as missões em territórios indígenas brasileiros e são parte da engrenagem do negacionismo e dos antivax? Ou esquecemos o que essas missões fizeram ao norte do Brasil disseminando entre comunidades indígenas que não se devia vacinar?

Ignorar tudo isso faz parte do legado colonial e racista, é inegável. E esse legado só demonstra ainda mais força quando a Holanda confirma que a Ômicron já estava em território europeu 11 dias antes do anúncio dos cientistas sul-africanos. Vão fechar as fronteiras para a Holanda? Vão ignorar que Áustria teve que declarar lockdown para não-vacinados? Ou o fato de que a Europa tem sido palco de uma nova onda da pandemia nesse exato momento e ninguém se movimenta para fechar fronteiras com seus países?

Não dá apenas para virar e torcer que os países do continente africano por si só enfrentem esse problema quando a concentração de riquezas e de vacinas é deslavada nesse mundo. Além disso, passou da hora de não tratar sobre o tema da colonização e do racismo que tá profundamente entremeada em como se dá e se deu o enfrentamento a pandemia no mundo e, também, no Brasil.

Óbvio que todos queremos saber se a nova variante é mais transmissível, se desenvolve mais facilmente a forma mais grave de Covid19 ou não. Mas algo que já deveria ter sido aprendido nesses últimos anos enfrentando a pandemia é de que não existe saída individual ou nacional apenas para combater o coronavírus. Encarar os gargalos sociais, políticos e econômicos legados pela colonização e o racismo no mundo é parte do caminho para garantirmos um enfrentamento a esse momento de forma mais homogênea no planeta, sem isso só se criará estigmas, distorções e mais abismos entre todos nós.

Por fim, nos resta cobrar medidas dos países membros da OMS, especialmente daqueles que colonizaram o território até tão recentemente de se responsabilizarem pelo enfrentamento a pandemia naquele continente e não só. Pois há gargalos raciais e coloniais em outros lugares do globo que precisam de igual atenção, mas aí é papo para outro post.

[+ Duas pandemias]

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