Os de ontem, mas os de hoje também

Começou ontem o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado Penal” organizado pelo Tribunal Popular e sediado no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, aka SanFran, no mesmo dia acontecia na Câmara dos Vereadores de São Paulo homenagem à Eduardo Leite, conhecido como Bacuri e que recebeu o título de cidadão paulistano 40 anos após a sua morte nos porões da ditadura. Parecem coisas distintas, porém não o são, na verdade a luta pelos desaparecidos de ontem é a mesma da dos desaparecidos de hoje.

O Brasil foi o único país da América Latina, se não me engano, que não abriu os arquivos da ditadura militar, gosto quando o Leon fala que não há como uma nação prosseguir em diversas discussões e ações se não elucida os acontecimentos de tão dantesca época. Neste país ainda há 144 desaparecidos oriundos da época da ditadura militar, são filhas, pais, sobrinhas, irmãos que até hoje não sabem onde estão os corpos de seus entes queridos, que não puderam passar pelo doloroso processo do luto, mas foram punidos pela cruel certeza de que os militares deram cabo de seus amores.

Não foi o caso de Eduardo Leite, sua morte foi noticiada no jornal Folha da Tarde do mesmo grupo da Folha de São Paulo e ele chegou a ver a manchete do jornal antes de morrer. “Bacuri” era militante da VAR-PALMARES e passou 109 dias preso nos porões da ditadura militar, nunca conheceu a filha e o corpo entregue a família desmentia de forma voraz a versão oficial de que ele teria morrido em meio a um tiroteio, pelo corpo de “Bacuri” havia queimaduras, dentes arrancados, olhos vazados… Indícios fortíssimos da tortura mais vil. O percurso dos últimos dias de “Bacuri” pode ser lido aqui.

Àquela época sabíamos viver em um estado de exceção, não era um embuste de estado democrático de direito onde ações militarizadas são vistas com bons olhos e aplaudidas de pé. Não há como não relacionar os acontecimentos do passado com os acontecimentos do presente e ontem durante a abertura do Tribunal Popular foi muito bem lembrado que dentre os documentos vazados pelo WikiLeaks estão telegramas que falam sobre usar as estratégias de ocupação militar utilizadas no Iraque e Afeganistão no Rio de Janeiro.

Há uma facistização da classe média brasileira e vimos isso durante as eleições e agora com as ações no Rio de Janeiro, é bom resgatarmos que hoje quem é morto e torturado não são os militantes políticos, mas a população mais pauperizada. São pessoas que vivem sim em um estado de exceção clandestino, sem direito a nem escolher quais músicas irão tocar nas festas de aniversário em comunidades ocupadas pelas UPPs.

É importante fazermos uma reflexão profunda do que vai significar o Brasil ser sede das Olimpíadas e da Copa, pois agredido que não queremos um processo de limpeza social e étnica à jato nos próximos anos, como aconteceu em diversos países que sediaram estes eventos, e muito menos não creio que queiramos ter mais um grupo de familiares de pessoas e desaparecidas sem obter respostas sobre o que aconteceu com seus entes queridos e quando poderão, ou não, vê-los novamente.

Eduardo Leite, Bacuri, PRESENTE!

8 respostas para Os de ontem, mas os de hoje também

  1. […] O fato de termos uma ex-guerrilheira presidenta deveria significar muitos "Pau de arara nunca mais!". Não dá para este debate ser levado pela grande mídia como foi quando a Folha pediu a abertura dos arquivos de Dilma, é preciso que todos os arquivos sejam abertos, que a comissão da verdade seja instaurada e tenha maioria da sociedade civil e as investigações sobre os acontecidos não estejam na mão dos militares. Abrir os arquivos da ditadura militar não é apenas honrar aqueles que tombaram naquela época, mas também mostrar que não aceitaremos mais ficar anos sem notícias de desaparecidos neste país. […]

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